sábado, 22 de dezembro de 2012

Quero Liberdade (cap. V), de Rose Wilder Lane

V

Quando voltei da União Soviética, não era mais comunista, porque acreditava na liberdade pessoal. Como todos os americanos, tinha como certa a liberdade individual na qual nasci. Parecia-me tão necessária e inevitável como o ar que respiro; parecia ser o elemento natural em que os seres humanos vivem.

A ideia de que pudesse perdê-la nunca havia nem remotamente me ocorrido. E não podia imaginar que multidões de seres humanos pudessem voluntariamente viver sem ela.

Aconteceu que passei muitos anos em países da Europa e da Ásia ocidental, de maneira que finalmente aprendi um pouco, não só sobre as palavras que os vários povos usam, mas sobre o real significado dessas palavras. Nenhuma palavra, é claro, pode ser traduzida de maneira exata para outra língua; as palavras que usamos são os símbolos mais toscos para seus significados e supor que palavras como “guerra”, “glória”, “justiça”, “liberdade”, “lar” signifiquem a mesma coisa em duas línguas é um erro.

Em toda parte, na Europa, encontrei os fatos vivos das castas medievais e da estática ordem social medieval. Vi-os resistindo, e resistindo encarniçadamente, à liberdade individual e à revolução industrial.

É impossível conhecer a França sem saber que os franceses têm necessidade de ordem, disciplina, da limitação das formas tradicionais, da regulação burocrática das vidas humanas por um poder policial centralizado e que a impetuosa democracia francesa não é um grito pela liberdade individual, mas uma insistência de que as classes mais altas não explorem tão severamente as classes mais baixas.

Vi, na Alemanha e na Áustria, ovelhas espalhadas e sem liderança, correndo de um lado para outro, sentindo falta da segurança perdida do rebanho e do pastor.

Resistindo passo a passo, fui finalmente obrigada a admitir a meus amigos italianos que havia visto o espírito da Itália reviver sob Mussolini. E parecia-me que esse reflorescimento baseava-se na separação entre a liberdade individual e a revolução industrial, cuja causa e origem era a liberdade individual. Disse que na Itália, assim como na Rússia, uma ordem econômica controlada, planejada e essencialmente medieval estava colhendo os frutos da revolução industrial enquanto destruía sua raiz, a liberdade do indivíduo.

– Por que você quer falar sobre os direitos dos indivíduos! – explicavam os italianos, impacientes afinal. – Um indivíduo não é nada. Como indivíduos, não temos importância nenhuma. Vou morrer, você vai morrer, milhões vão viver e morrer, mas a Itália nunca morre. A Itália é importante. Nada importa, exceto a Itália.

Essa rejeição do eu como um indivíduo era, eu sabia, o espírito que animava os membros do Partido Comunista. Eu ouvia que era o espírito que começava a animar a Rússia. Era o espírito do fascismo, o espírito que indubitavelmente reviveu a Itália. Dezenas, centenas de pequenos incidentes revelavam isso.

Em 1920, a Itália era um pulgueiro de mendigos e ladrões. Eles caíam sobre o estrangeiro e o devoravam. Não havia momento em que a bagagem pudesse ser deixada desguardada; toda conta era cobrada a mais; e nenhum serviço, por menor que fosse, deixava de vir acompanhado da conta; os táxis desviavam para ruas sem movimento e os barcos paravam no meio do caminho para os navios, para que os motoristas e barqueiros pudessem, pelo medo, forçar os tímidos passageiros a pagar duas vezes. Cada passo na Itália era uma discussão e uma briga.

Em 1927, meu carro quebrou depois do anoitecer, na beira de uma pequena aldeia italiana. Três homens – um garçom, um foguista e um chofer uniformizado de viajantes ricos que dormiam na estalagem – trabalharam a noite toda no motor. Quando começou a funcionar suavemente no gelado amanhecer, os três se recusaram a aceitar qualquer pagamento. Americanos numa situação semelhante teriam recusado por cordialidade humana e orgulho pessoal. Os italianos diziam firmemente:  – No, signora. Fizemos pela Itália. – Isso era típico. Os italianos não estavam mais centrados em si mesmos, mas naquela criação mítica de sua imaginação em que despejavam suas vidas: a Itália, a Itália imortal.

Comecei finalmente a questionar o valor dessa liberdade pessoal que me parecera tão inerentemente correto. Via como era raro, como era novo o reconhecimento dos direitos humanos. Da Bretanha até Basra, refleti sobre as ruínas das civilizações brilhantes onde povos jamais vislumbraram a ideia de que os homens nascem livres. Em sessenta séculos de história humana, essa ideia foi um elemento da fé religiosa judaica, cristã e muçulmana, mas nunca tinha sido usada como um princípio político.

Era um princípio político apenas para uns poucos homens na terra, havia menos de dois séculos. A Ásia não a conhecia. A África não a conhecia. A Europa nunca a aceitou completamente e agora a estava repelindo.

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