domingo, 6 de julho de 2014

A Morte e a Donzela, de Ariel Dorfman

Li, meio por acaso, a peça A Morte e a Donzela, de Ariel Dorfman. Tinha assistido o filme há muitos anos. Levei meus filhos à biblioteca municipal e vi o livro e peguei emprestado. Peças de teatro são curtas, li no mesmo dia.

Ariel Dorfman é um autor chileno conhecido pela obra Para Ler o Pato Donald, escrita em parceria com Armand Mattelard. É uma coleção de bobagens sobre o universo Disney, que li também há muitos anos.

A Morte e a Donzela se passa no Chile (ou em algum país latino-americano), pouco depois do fim de uma ditadura militar. Os três personagens são: Paulina Salas, uma mulher que, 15 anos antes, foi torturada pela ditadura; Gerardo Escobar, advogado, marido de Paulina; e Roberto Miranda, um médico. Gerardo tem um problema com o carro e, por acaso, Roberto o ajuda e o leva para casa. Paulina acredita reconhecer Roberto como o principal dos seus torturadores e o seqüestra. Essa é a situação em que a peça se desenvolve.

Ariel Dorfman não diz quase nada sobre as convicções políticas de Paulina. Ela é A Vítima. É forte, corajosa. Está abalada por tudo o que passou, mas sabe o que está fazendo. Nunca denunciou Gerardo enquanto era torturada. Podemos presumir que seja comunista, mas só sabemos que, quando foi presa, ajudava outras pessoas perseguidas a saírem do país.

Roberto Miranda é o vilão evidente. A peça não deixa realmente claro se ele era culpado. Pode ser tudo uma ilusão de Paulina, mas isso é improvável. É óbvio que um torturador é uma figura odiosa. Ele é obrigado por Paulina a gravar e a escrever uma confissão, na qual conta que seu pai teve um infarto quando os comunistas expropriaram sua fazenda, que resolveu se juntar aos militares para minorar o sofrimento dos presos, mas tomou gosto pela coisa e se aproveitou de muitas mulheres torturadas. É totalmente asqueroso, mas não temos certeza se é ele mesmo.

O maior vilão da peça é mesmo Gerardo Escobar, que representa as forças democráticas que assumiram o governo. Ele é covarde, mentiroso, ambicioso, egoísta, hipócrita. Mente para Paulina na primeira cena, negando que já tenha aceito o convite do presidente da República para comandar uma comissão para investigar crimes contra os direitos humanos. Diz a ela que só aceitará se ela concordar, mas já aceitou. Enquanto ela estava presa, sendo torturada, Gerardo arranjou outra mulher. Também mente para Paulina sobre isso. Só pensa em sua carreira, não em Paulina, nem no povo. Sobre Gerardo, não temos dúvidas. Ariel Dorfman quer nos convencer de que não devemos confiar naqueles que defendem a democracia e de que a violência sofrida pelos torturados justifica qualquer coisa.

Por último, uma palavra sobre a anistia, que é o grande tema da peça. Se for possível derrotar uma ditadura pela força, não é necessária nenhuma anistia. Punem-se todos os membros do antigo regime à vontade. Caso contrário, considera-se que o melhor para o país é deixar de lado os crimes cometidos pelos agentes da ditadura, como condição para o fim do arbítrio. Uma anistia não perdoa esses crimes. Considera que esquecê-los é um mal menor, em troca do bem maior que é a conquista da liberdade. Sendo assim, as anistias devem ser respeitadas.

Evidentemente, os outros países não têm nada a ver com isso. Não é por que houve uma anistia no Brasil que Fernando Gabeira ou Franklin Martins poderão algum dia por os pés nos Estados Unidos, depois de terem seqüestrado o embaixador americano. Da mesma forma, os torturadores brasileiros correm grande risco de prisão se saírem do Brasil. Isso é normal e correto. O que não é normal nem correto é brasileiros continuarem tentando reverter o pacto que nos trouxe liberdade política.

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